domingo, 12 de maio de 2013

CONTO, Serões da Província - Júlio Dinis

"Serões da Província", de Júlio Dinis


Em forma de contos, este livro tem um estilo leve e discreto, e descreve de forma inigualável situações domésticas e rurais de Portugal, da época do autor.
Joaquim Guilherme Gomes Coelho (Júlio Dinis) nasceu em 14 de novembro de 1839 e foi médico e escritor português. Um dos seus romances mais conhecidos é "As Pupilas do Senhor Reitor". Suas personagens foram inspiradas em pessoas com quem viveu e conviveu. Faleceu em 1871.


ADVERTÊNCIA
ERA propósito de Júlio Dinis, quando em 1869 permitiu à casa More editar os Serões da Província, principiar a interessante coleção dos seus pequenos romances com a Justiça de Sua Majestade, estreia literária do talentoso romancista, escrita em 1858, ' se bem me recordo, e condenada pelo preceito de Horácio ao longo repouso de dez anos, do qual saiu para ser revista pelo autor.
A persistente doença de Júlio Dinis não lhe permitiu concluir a revisão do romance, e foi por essa causa que apareceu a primeira edição dos Serões da Província em 1870, sem a Justiça de Sua Majestade, que o destino condenou a um novo esquecimento.
Júlio Dinis faleceu prematuramente em 1871, legando a seu pai, o Sr. José Joaquim Gomes Coelho, o manuscrito da Justiça de Sua Majestade, que me foi entregue pelo venerando ancião para lhe dar publicidade, se me parecesse digno dela! — não se lembrando que hão podia ser censor do escrito de seu filho, quem, como eu, tem apenas o merecimento de haver sempre sido, e ser ainda, um dos seus maiores admiradores.
Assim, pois, fica-me inteira a responsabilidade de publicar a Justiça de Sua Majestade sem ter primeiro aquilatado o valor literário da obra, incumbência que compete de direito aos leitores, a quem a transmito, vista a incompetência do editor da terceira edição.

TRECHO INICIAL:

“ERA por uma manhã de Abril de 18S2.
O campo vestia-se de seus mais opulentos e matizados trajos.
O Minho estava fascinador.
Por toda a parte eram já espessuras frondosas e impenetráveis; sombras discretas; vales misteriosos e encantadores, graças ao claro- -escuro, com que a vegetação renascente os coloria; colinas adornadas e festivas, como um trono de altar em capela rústica; enfloradíssimos silvados, veigas a exuberarem de vida; e, por entre tudo isto, casas de brancura ofuscante, e acima de tudo um céu sem nuvens, um céu azul, daquele azul dos céus napolitanos, a meu ver, tão culpados na existência dos lazzaroni.
As torrentes estavam nas suas horas de bom humor; não bramiam, murmuravam apenas; não se precipitavam impetuosas do alto dos outeiros, deixavam-se escorregar pelas anfractuosidades das quebradas.
Os ventos, como que arrependidos, pretendiam com afagos fazer esquecer aos arbustos mais tenros as violências passadas.
A luz salutar da Primavera convertia-se, por mágica metamorfose, em perfumes que embalsamavam os ares, em flores que esmaltavam os prados, em harmonias vagas que as brisas transportavam de selva em selva, que as aves escutavam atentas e os ecos repercutiam sonoros.
Nestes dias assim sente-se palpitar de vida a natureza inteira.
Por toda a parte se realiza um genese. No solo é o grão que germina; nos troncos as novas folhas que brotam; nos ramos as flores que desabrocham; nas águas, nas florestas, nos vergéis, nos ares, uma jovem e inquieta geração de aves e de insectos que surge, animando tudo com seus magníficos concertos, com suas valsas incessantes e rápidas, iluminadas por um sol vivificador.
É contagiosa esta alegria da natureza.
O coração recebe o influxo dela.
A vida tem então também a sua inflorescência. Nesta quadra as ilusões, as esperanças, as mais puras e ideais concepções de fantasias exaltadas pululam, como as boninas na relva; a alegria, os risos e os prazeres reflectem-se nos semblantes, como a luz do arrebol nos cimos dos outeiros; ama-se melhor, perdoa-se melhor, e a poesia e os cânticos saem tão espontâneos, como o trinado dos pássaros de entre a folhagem dos pomares.
A fisionomia das cidades perde também então um pouco da sua habitual gravidade. O vento que lhes vem dos arrabaldes inocula-lhes este fermento de folgazão regozijo. A Primavera desinquieta-os, sedu- -los, atrai-os, a esses soturnos cidadãos, e a população urbana trás borda nas aldeias circunvizinhas.
Os mais sisudos burgueses, que, durante o Inverno, revestidos da gravidade do seu paletó, e confiando os pés à impermeabilidade dos seus sapatos de guta-percha, passavam sérios e ponderosos, cortejando- se com irrepreensível compostura, agora vestidos de linho, de chapéu de palha de forma pastoril e leveza que não era de esperar da sua idade e posição, seguem prazenteiros caminho do campo, contando anedotas de índole pouco edificante, fazendo sentir o sabor do sal, não absolutamente ático, que as tempera; recordando as mais atrevidas coplas da Maria Cachucha, acompanhadas de exibições coreográficas de fazerem estalar de riso a parte feminina do rancho que capitaneiam.
É a época de esplendor dos «bons retiros» campestres. Mas em 1852...”

EM:






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